segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Um Verdadeiro Dia de Natal


...Tocam os sinos, tocam os sinos...

Hummm...

É natal.

Legal né?!

Mais um aniversário no calendário deste ano e desta feita, um de caráter coletivo, para a comemoração por todos indistintamente.

É a data mais separatista, hipócrita e egoísta do ano todo.

Apesar de ser um aniversário para a coletividade comemorar, não há um ajuntamento humano para o fazer, mas quando podem os homens o fazem só no seio dos familiares e com os mais “chegados” apenas, onde nem sempre estão os mais queridos.

Por um momento, apenas e tão somente um momento de uma vida, um instante no tempo total de uma existência a qual quis o destino ser difícil e sofrida, alguém mostra um sorriso a alguém, alguém estende uma mão amiga e solidária a alguém, alguém dá o calor de um abraço afetuoso a alguém, alguém da uma colher de sopa a alguém faminto.

Uma simples e única colher de sopa em um simples e único dia do ano!

Alguns cuja felicidade extrapola o vulgar neste dia ganha não só uma colher de sopa, mas um cobertor também.

É...

Um cobertor...

E com isso não só as estrelas hão de cobrir e aquecer o corpo sortudo, nem sempre com alguma saúde e quase sempre faminto em todas as outras muitas noites, algumas muito frias, de um único ano.

É...

Apenas um dia em trezentos e sessenta e cinco, quando não trezentos e sessenta e seis, e por apenas alguns momentos tão somente, alguém com necessidades prementes, vitais mesmo, sente o que poderia ser a felicidade!

Alguns, mais afortunados ainda sentem uma felicidade maior, a de poder dar a um ente amado provavelmente mais carente ainda, uma parte senão tudo, o que acabou de receber e não sem antes agradecer a bondosa mão doadora.

Mas há outros entre estes alguns, que sentirá a felicidade maior, o prazer infindável e indefinível de passar fome mais uma vez para que seu ente querido e mais esquecido ainda pela sorte possa comer e viver, viver quem sabe, um dia a mais ao seu lado.

Se isso não for tortura e das mais ferozes, definitivamente eu não sei o que é tortura.

Mas um transeunte a vagar sem destino certo, que abismado além de sofrido, maltratado e ferido, vê com olhos mais que esbugalhados, no obstante tristes, a opulenta riqueza, a maravilhosa beleza, a imensa fartura e o mais terno e fantastico amor dos quais nem mesmo simples migalhas, restos do egoístico banquete onde a fria hipocrisia e o feroz lucro fácil deleitam-se até o orgasmo pode sequer, pensar ou mesmo almejar tocar, sem ter que disputar as tais migalhas com os cães e ser por estes ferido senão morto em uma luta sem glória.

Apenas as sobras dos cães, quando existem, poderão quem sabe ser suas e isto se puder apanha-las durante a disputa entre seus pares.

E então, para culminar o horripilante desfile, delírio de luzes, cores, sons, formas e gestos, surge uma criança que como um ferro em chamas a arder, quente como o centro de uma estrela lhe queima a alma e sublima-lhe o espírito quando com peso de toda a sua inocência, pede.

Ah, e o que pede...

E o que pede é sabido por todos menos por ela, que não há como lhe ser dado.

Mas, eis que agora o ferimento é na alma e é profundo, dói, dói e sangra, e sangra fartamente, e o homem chora, aos prantos esfacela-se o seu coração já tão combalido, ferido e muito por outras lides, arranca-se-lhe então pela raiz a vida, a esperança que restava desfaz-se em desabalada fuga na névoa do desespero, quebra-se-lhe a delicada magia do sonho, mata-se inocência, escancara-se-lhe então as portas da vida e ele, por fim, contempla a face da própria sorte.

Mas é natal...

O Natal por fim chegou!

E aquele que nada tem, tem agora a sua miséria desnudada em toda a extensão e riqueza, tem a sua dor exposta à indiscrição pública com toda a nudez que lhe é pertinente é então o foco, mais uma vez, de uma audiência avassaladoramente grande e ávida por detalhes e está por fim, anonimamente, a fazer heróis às centenas e a enriquecer sobremaneira a já rica e exuberante miséria humana, para o proveito de alguns principescamente afortunados pelo poder, pelo dinheiro e plenamente bafejados pela sorte.

Mas um rato sabe, sabe como deveria ser um verdadeiro dia de Natal.

E ele deveria ser exatamente como o é agora, segregacionista e egoísta mesmo!

Sabe, que este é o único dia do ano em que deveríamos viver apenas e tão somente para nos e nossos entes queridos, nada mais.

É...

É isso mesmo!

O Natal deveria ser assim, exatamente como ele é agora.

O problema, o erro, não está no dia de Natal e sim nos outros dias do ano não importa qual desde que não seja, o dia de Natal!

O Natal deveria ser como é porque nos outros dias do ano nós deveríamos cuidar uns dos outros todos os dias e todas as noites, sem parar e sem olhar a quem, ajudarmo-nos sempre sem nem mesmo e sequer lembrarmos disso após consumado o ato, após a existência do fato.

O combate às misérias humanas seria durante todos os dias e noites de um ano, a obrigação de todos e não a abnegação de alguns ou o lucro de outros.

Se todos os dias e todas as noites os homens rondassem os homens a procura do sofrimento, da dor e do desespero, se os interesses e o bem estar de muitos se sobrepusesse aos interesses e o bem estar de uns poucos sem no entanto a estes ferir mas, e apenas, integra-los ao conjunto e isso todos os dias e noites de um ano, este dia, o dia de Natal seria exatamente o que é hoje, o único dia do ano em que nos voltamos para nós mesmos e nos presenteamos.

O único dia do ano em que esbanjaríamos a nossa felicidade com nós mesmos e com os nossos entes queridos apenas e unicamente.

Este é o verdadeiro espírito do Natal, a verdadeira idéia de Natal e será, quando este ano acontecer, este dia um verdadeiro dia de natal.