domingo, 8 de janeiro de 2012

Meu Amigo, Filisberto



Estava eu a trocar ideias várias com o meu amigo Filisberto quando o tema dos eventos da natureza veio à tona.

Ficou claro para mim que meu amigo não conseguia entender patavinas de como o ser humano conseguia ser pego constantemente pelos mesmos eventos e sofrer tanto com eles.
Do que para ele escapar é simplesmente o ato de “seguir o chefe”; para os homens escapar destes eventos é algo que se mostra normalmente impensável.

Qualquer criatura viva sabe quando a mãe natureza vai fazer algo que pode ser perigoso para a sua espécie e logicamente se protegem, mas os seres humanos sabem que isto seguramente vai acontecer e ficam para enfrentar a fúria dos elementos que sabem seguramente não poderem controlar e menos ainda, vencer.

Esta negação, esta ignorância dolosa do instinto de sobrevivência por parte dos homens é incompreensível na natureza, no reino das coisas vivas, na criação.
Esta condição na criatura humana é tão esdrúxula que os mesmos são capazes de sacrificar os entes queridos nestas empreitadas; é isto pois a completa inversão do valor do altruísmo tão caro e raro na natureza das coisas.

Tive eu, portanto, que explicar ao meu singular amigo o motivo para este absurdo tão estapafúrdio, tão estúpido, tão insensato.

Deparei-me de imediato e para a minha infelicidade, com uma empreitada Homérica para não dizer astronômica e só a ideia de passar por um perfeito idiota aos olhos e ouvidos do meu letrado amigo, fez-me prosseguir neste insano intento.

Para iniciar disse-lhe que os homens alojam-se em locais onde as intempéries da natureza assolam com violência invulgar para poderem sobreviver.

No que fui contestado com um argumento irrefutável.

- Está me dizendo que para sobreviver o homem se mata; não é por ventura isso a antítese do objetivo primordial?
No que eu replico:

- Não é bem assim, onde morava o retirante a sobrevivência é difícil, conseguir o sustento para si e para seus entes queridos passa por caminhos às vezes de trânsito extremamente difícil; a subjetiva mas honrada pobreza com eles reside com as mesmas prerrogativas dos membros da família e isto posto, mesmo que não só da terra o sustento a família tira, pois que um trabalho outro mui raro o é e parco é o seu estipêndio, mais ralo o é este que o salarium das mortas legiões romanas.

Meu amigo então treplica:

- Não seria pois mais honrado e de bom alvitre em seu lugar e eira permanecer, posto que só a pobreza o acompanha e que à governança cabe o ônus legal de prover a evolução dos governados em seus domínios?

- Claro e nítido o é aos meus olhos, que o retirante da pobreza aninha-se nos lugares mais vis das populosas polis e na busca por labor de pecúnia mais compensatória encontra apenas e sempre a sutil e servil escravidão, desta feita não só ao patrono que o emprega como por vezes outrora se fazia, mas também ao chefe e subchefes da governança imposta à urbe onde mora sem contudo, receber da lei e do estado legal as garantias que lhes são cabidas e constituídas; destes apenas recebe e sem tardança a cobrança integral da lei, em sua forma e letra toda vez que a malfadada sorte o vier a bafejar.
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- O retirante não é mais agora um pobre, desfez-se da pobreza que vestia por natureza (mas mutável) e tornou-se, por simples e mera opção em um definitivo e imutável miserável.
Começo a me sentir o perfeito idiota; e explicando o inexplicável prossigo com o meu argumento.

- Reconheço que a proteção da lei não recai como deveria aos menos afortunados e em especial à aqueles desprovidos dos apadrinhamentos de praxe mas estes, no afã de mais querer, enredam-se nas malhas da miséria voluntariamente parecendo desconhecer que o princípio básico do sofrimento é o quer mais, o consumismo, a busca utópica pela felicidade plena em sua forma mais material; neste mister os que tem como dever cuidar e cuidar bem da sociedade, seguem os desregrados passos do lucro fácil mas devasso, libertino, licencioso, dissoluto, criminoso e vil, dando como opção ao retirante e à sua prole apenas uma ansiedade louca e desmedida, o sofrimento imensurável e quase sempre a morte e esta quando não moral, será miserável e ignota; é o prêmio por sua ousadia em querer mais do que já tem, almejar algo além do que lhe é próprio e do berço, pela terra que queria justamente dividida e pela justiça que queria ver perfeita.

- A culpa pelo infortúnio que os assola não está no poder público legalmente constituído mas sim no indivíduo (cara um de per si) o flagelado, o mesmo que se aliena em definitivo através do uso de seu mais pleno livre arbítrio da cultura, da educação, da moral, da honra e do conhecimento para enfim apenas viver e viver mesquinhamente de prazer em prazeres, de sonho em sonhos, de fantasia em fantasias, abandonando completamente o porvir seu e de todos os seus nas mãos dos mais diversos interesses, todos absolutamente inconfessáveis.


Agora, um confesso perfeito idiota, ouço a conclusão do meu amigo.

Filisberto

- Entendo...

- As pessoas conseguem morrer por ignorância da própria ignorância, por cultuar a ignorância, por fazer dela um meio de vida e isso na natureza um burro nem outro animal, qualquer que seja ele, em sã consciência é capaz de conseguir.


São Paulo, 08 de Janeiro de 2012

Mkmouse


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