terça-feira, 15 de outubro de 2013

Carta Presente


Este Rato, não cansado d'outros esboços, agrade a Jeová a oportunidade de colocar no ar (neste blog) e na íntegra, a coloquial, singela e despretensiosa carta de uma professora que espera, como tantas outras e outros tantos professores, ser um dia não mais considerados “bichos cá da Terra tão pequenos” pelo governo, pelos governantes e pelo povo brasileiro.


Carta Presente

Hoje é dia 14 de outubro, e eu aqui pensando...

Na véspera do dia dos professores, gostaria de me dar um presente:

A LIBERDADE de ao menos, me expressar, já que não tenho forças para mudar o "quadro negro" atual na Educação do Brasil, principalmente, a paulistana.

Apesar de, aos 25 anos de exercício do Magistério, eu já poder me aposentar1, permaneci até os quase 30 anos em sala de aula.

A velha tática viciosa de conseguir mão de obra abundante e barata, extraindo-a desde o preparo de uma grande "massa-base" populacional ao longo de anos sem trégua, mesmo após o término do Regime Militar no Brasil, ainda perdura.

Nossos dirigentes mal moldados, em mentalidades obtusas para o uso do poder, não desejam que o Gigante, de fato, acorde.

E eu me pergunto: estão com medo de quê?

Gostam mesmo de seu País? de seu povo?

Não seria muito melhor, deixar florescerem os verdadeiros talentos adormecidos e ocultos, distribuídos pela natureza nas várias camadas, ou mesmo estratos sociais?

Aonde estarão: aquele grande cientista, aquele grande cirurgião, aquele grande atleta, aquele grande pensador - realmente merecedor de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, aquele grande artista, aquele político que faria o mundo admirá-lo com respeito, aquele grande herói que aprendeu e usou com maestria a arte de salvar vidas, aquele grande comandante que ensina o caminho para vitórias sem derramar sangue, e tantos outros, na linha dos grandes valores humanos?

Por quê, para que "meia dúzia" de cidadãos tenham algum pequeno destaque social, toda aquela grande, imensa maioria, tem que ser sufocada desde o berço, como filhotes de gatos, jogados num balde de água fria?

Será que dentre esses gatinhos não estará algum valor sendo desprezado?

Há pessoas que se fazem por sua própria força de vontade e há outras, que se equilibram numa tênue linha, pendendo às vezes, para o pior lado - aquele lado que trará prejuízo não só a si e aos seus, como também à sociedade como um todo - e isso seria simples de se evitar.

Uma sociedade que se abraça, se une sem preconceitos e busca elucidar seus valores, venham eles de qual ponto dela vier, é classificada como "evoluída", ou "primeiro mundo".

Governantes que se comprazem, que se "confraternizam" com a ignorância, com o cerceamento da "Liberdade de Cátedra" de seus professores, educadores, não podem estar desejando a evolução para seu País...

Pouco antes de me aposentar, fui submetida ao uso de uma espécie de "cartilha" que ensinava aos professores como dar aulas e aos alunos o que deveriam aprender.

Com a desculpa de "unificar" os conteúdos das escolas estaduais em São Paulo, nos foram entregues esses materiais, impostos, "de cima para baixo" (respeitando-se aqui, a "regra" da estratificação - só para dar consistência a esta linha de pensamento).

Esse material, como pude verificar, ainda está sendo utilizado à exaustão, distribuído no início de cada ano, repetidamente, desde seu "aparecimento" em todas as escolas, em 2007, ensinando São Paulo a "fazer Escola" e deixando subentendido um fato preocupante: que as Faculdades e Universidades não estão sabendo o que ensinam, nem os professores estão sabendo o que aprenderam para repassar adiante e muito menos, pesquisar por conta própria e montar seus conteúdos, suas aulas.

Me senti completamente ofendida e desmotivada ao perder a última coisa que me atraía ainda, apesar de todos os "empecilhos propositadamente criados na educação pública": a minha "Liberdade de Cátedra"; o meu poder de discernimento para criar condições e estratégias, enfim, para usar de didática própria com meus alunos.

Muitos colegas acabaram submetendo-se a mais esse "cabresto" e permanecem numa espécie de "letargia", causada pela exaustão de lutas improfícuas em prol da Educação.

Graças ao Bom Deus, no qual faço questão de sempre acreditar (para no fim, não padecer do "Mal de Nietzsche", e ainda, concordando com Kant quando concluiu que talvez a única causa que poderia unir o maior número de pessoas possível no mundo todo, voltadas a ela, seria a crença num Ser superior), eu consegui me aposentar mantendo a lucidez e relembro a todos que o uso de tal material e a submissão a tal prática não é normal.

É preciso ao professor, mais que nunca, manter a esperança, a lucidez e saber impor a sua inteligência, a sua capacidade de gerar pensamentos e de modificar situações e a própria História.

É preciso, pelo menos, saber que há "a possibilidade de dizer não".

Analisando mesmo que superficialmente a imposição e o efetivo uso de um material que traz benefício em primeiríssimo lugar, às gráficas ou editoras envolvidas, muito mais do que aos estudantes, que, desde o primeiro ano de distribuição do mesmo, o rasgavam, queimavam, amassavam, deixavam propositadamente esquecido sob as carteiras escolares, perdiam, pois mais do que tudo, o "desprezavam", assim como aos livros de leitura e livros preparatórios para um possível uso em estudos para vestibular.

Eu continuo a me fazer perguntas: a quem interessa a imposição desse material?

Não é bem a "quem" mas a "que" serve: ao uso desse dinheiro, em material pouco proveitoso, em detrimento de algum aumento salarial que valorizasse o professor!

Outra serventia: acordos para elaboração, produção e publicações de material em épocas de campanhas políticas - é muito óbvio, para não deixar qualquer educador "razoavelmente" irritado, quando chega o "seu dia" e ele pouco, ou nada, tem a comemorar...

Mas não precisa e não tem que ser assim.

Cabe aos professores e aos políticos com mentes abertas e olhos verdadeiramente no Grande Futuro que o Brasil ainda pode ter, mudar essa situação!

Os valores constroem um poder admirável - assim como, um poder admirável constrói valores respeitáveis - não percamos esta meta!

É importante, que se tenha uma trajetória a perfazer e reconhecimentos numa carreira. Infelizmente, ocorreu algo , no mínimo "inusitado" ao final de minha carreira: após passar por quatro faculdades: uma graduação, uma complementação, uma pós graduação com especialização, um mestrado, uma pesquisa em andamento... ainda assim, mesmo com a tal opção pela "Lei da paridade na aposentadoria ", só consegui fazer uma das provas para obtenção dos tais 25% de aumento salarial incorporado.

Como me aposentei, não posso mais: - "perdi o direito" à paridade a partir dessa nova "artimanha" para "mexer" na estabilidade funcional...

Ou seja: ganhei de "presente de agradecimento" pelos anos todos de dedicação integral à minha carreira, um sonoro "você não valeu nada!".

Entrei em contato com duas entidades sindicais, conversando com integrantes de seus departamentos jurídicos e tive que ouvir deles, que, por falta de mobilização da categoria, nada haviam podido fazer quanto a essa questão, também "imposta de cima para baixo".

E o pior mesmo, é que eles estão cobertos de razão!

Pois é...

Mais um "Dia dos Professores" chegou e eu resolvi não me irritar tanto, porém, sem permanecer inerte.

Pelo menos, no silêncio "pós sala de aula", meus pensamentos ainda fazem barulho suficiente para me lembrarem que ainda vivo e devo comemorar o poder de ainda raciocinar com propriedade, para desejar a toda a categoria, e aos demais servidores, mesmo que não pertençam à Rede Pública Estadual de Ensino, a qual foi o tema desta "Carta presente" ofertada a mim mesma, e por falta de egoísmo, a todos, mesmo que pertençam à Rede Municipal, ou à Rede Particular, mesmo que não sejam professores, mas exerçam funções ligadas de alguma forma à Educação e dela e por ela tirem seus proventos, um excelente Dia dos Professores!

Nunca se esqueçam de meu modesto conselho: não se esqueçam de que são produtores de pensamento e de que possuem uma coisa maravilhosa num país livre e democrático: a preciosa "Liberdade de Cátedra", da qual não podem, não precisam, não devem abrir mão.

Na esperança de que mudanças significativas ainda chegarão, a todos nós, e para melhor...

professora2 Olga Campoy

1- Aposentadoria especial, pelas condições de insalubridade: uso de giz, esgotamento de condições psicológicas, excessivo uso de voz... e acrescente-se hoje em dia: periculosidade no convívio com uma nova "subespécie" de seres cada vez mais, "bestializados" e dependentes da informatização e da telefonia móvel.

2- Professora de Artes.


São Paulo, 15 de Outubro de 2013
Mkmouse



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